S e j a m . B e m . V i n d o s !


"Trabalhes no que amas, e não terás de trabalhar por mais nenhum dia de sua vida"
Confucio (2500 a.C.)

TÉCNICA


As Partes de uma Faca



        Mesmo existindo em todo o mundo e ao longo da história, inúmeros modelos de facas, desenhos de lâmina, geometrias de desbaste da lâmina, materiais (da milenar pedra á moderna cerâmica), acabamentos, etc. Em geral, as facas básicas de lâmina fixa, possuem as seguintes partes como componentes:





1- Lâmina;

2- Cabo ou empunhadura;

3- Dorso;

4- Talas do cabo;

5- Espiga;

6- Pino de fixação das talas;

7- Pomo;

8- Ponta;

9- Fio ou gume;

10- Bisel ou desbaste;

11- Mesa;

12- Fuller;

13- Ricasso;

14- Guarda (se for rente ao cabo, como um prolongamento de transição com a lâmina, perdendo a função de proteger a mão, é chamada de Bolster);

15- Clip, que pode conter um falso fio, ou um contra fio (afiado).





           Um tipo de faca atualmente muito apreciado pela funcionalidade e beleza, chamadas Criollas, de construção integral (forjadas a partir de uma barra cilíndrica de aço), apresenta uma pequena variação que vale citar:


- Costumam ter a transição entre lâmina e o cabo denominadas de "VIROLA" (16), que é parte integrante da estrutura da faca. Mas se esta parte for colocada avulsa e não fizer parte da estrutura, tem o nome de "BOTÃO". A parte inferior, que serve como guarda de mão, é chamado de "gavião" (17):




Fonte: imagens internet


Desenhos de Lâminas mais usados


          As facas são provavelmente uma das primeiras ferramentas da humanidade (mesmo que de pedra!) e depois centenas de milhares de anos de uso constante na lida diária como parceira nos mais diversos momentos de sobrevivência e trabalho (sem falar do estúpido e inadequado uso desta incrível ferramenta nas brigas e nas guerras) as mesmas evoluíram e se desenvolveram em parceria com a humanidade. Assim surgiram muitos tipos ou geometrias de lâminas nas facas ou instrumentos de corte. Natural que isto não seja somente por uma questão estética, é principalmente por uma questão prática e utilitária, pois como qualquer ferramenta, tem que funcionar com a máxima eficiência possível para o que se destina a fazer. Abaixo, nem todos os tipos de lâminas estão listados, mas somente as mais comumente utilizadas, pois há muitas geometrias peculiares ao longo da história e das diferentes culturas. Desta forma, quando for adquirir ou escolher uma faca, é muito importante atentar não somente ao seu estilo, tamanho, espessura da lamina, composição do aço e do cabo, mas, principalmente, ao seu formato.



1. Normal – Uma lâmina “normal” tem uma borda de corte curva e o dorso reto. O dorso reto, apesar de pouco anatômico para a mão do operador, permite que este use os dedos para concentrar a força, deixando a faca pesada e robusta para seu tamanho.  A curva concentra a força mecânica em uma superfície pequena, facilitando o corte. Uma lâmina com este formato pode cortar, picar, fatiar e perfurar. Quase toda a extensão da lâmina possui a borda cortante. Muito utilizada em facas de cozinha;

2. Curva, ou “trailing point” – Esta lâmina possui o dorso curvo para cima, projetando a ponta da faca para cima da linha do dorso. É uma lâmina leve, otimizada para filetar ou fatiar. Por possuir uma grande área de corte e facilitar o trabalho de courear, é sempre utilizada nas facas skinrers;

3. “Clip point” – É uma lâmina normal, mas com o dorso em forma de “clip” ou côncavo, na ponta, normalmente mais fina e muito afiada. Geralmente o “clip” possui um falso fio que pode ser afiado para formar uma segunda borda cortante. A ponta é utilizada para perfurar e penetrar, o que é acentuado pelo falso fio. A famosa faca Bowie é um exemplo;

4. “Drop point” – A “ponta baixa” deste desenho de lâmina possui uma ponta convexa em direção ao gume, geralmente projetado para perfurar. As modernas facas de caça, de “bushcraft,” e canivetes suíços, têm este formato;

5. “Spear point” – Ou “ponta de lança”. Possui o desenho simetricamente convexo na sua linha central ao longo de seu eixo. Pode ter uma ou ambas as bordas afiadas, como nas adagas e espadins;

6. “Needlle point” – As “pontas de agulha” são lâminas simetricamente convergentes para a ponta, comuns em facas de combate, como a “Fairbairn-Sykes”. Sua longa e afilada ponta oferece boa penetração, mas é frágil a torções no uso. Seu desenho seria mais bem denominado como “stiletto” ou “adaga” e suas variantes, instrumentos para perfurar e cortar;

7. “Spay point” – “Pontas de castrar” é denominação que vem da atividade de castração de animais nas fazendas, sua lâmina reta e com um “clip” reto na ponta, dificulta a penetração, facilitando seu uso como “skinner”;

8. “Kamasu Kissaki”, ou “Tantô Americano” –Este nome vem do desenho japonês utilizado em facas no séc XV. A ponta é em cinzel, mais fina que o corpo da lâmina, e bastante forte, similar às espadas japonesas. A ponta na verdade é uma segunda borda de corte angulada à primeira, num ângulo entre 60 a 80 graus. É adotada por diversos fabricantes de facas táticas militares;

9. “Sheepsfoot” – Literalmente “pé de ovelha”. A borda cortante é reta, e o dorso curvo, numa inversão do desenho “normal” da lâmina. Proporciona maior controle ao operador, pois o dorso permite um melhor apoio dos dedos. Seu nome vem da semelhança ao desenho do casco de uma ovelha. Foi utilizada por marinheiros antigamente, pois a ponta baixa auxiliava a evitar acidentes com a oscilação dos barcos;

10. “Wharncliffe” – Semelhante à anterior, diferenciando na curvatura do dorso, que inicia mais próxima ao cabo da faca, e é menos acentuada em direção à ponta. Foi utilizada em armas antigas, como espadas Vikings;

11 e 12. “Ulu” –Uma faca utilizada pelas mulheres Inuit, basicamente um segmento de círculo afiado, com uma empunhadura em sua região central. Seu desenho a torna excelente para trabalhos como corte de carne e retirada de pele de animais abatidos. Este desenho também é conhecido como “head knife”, utilizado para trabalhos em couro, como diminuição na espessura de peças ou cortes precisos. 



Imagem e descrição adaptados da iternet e fórum FCA




Geometria do Desbaste das Lâminas


          A geometria do desbaste da lâmina é um importante fator que determina o tipo de faca e sua aplicação, a resistência e o tipo de fio ou afiação a ser realizado. Assim, uma lâmina com desbaste "hollow", naturalmente mais afiada, é mais sensível a impactos, ao contrário de uma lâmina "flat" ou convexa, mais resistente e robusta.

          Cada desenho apresenta suas vantagens e desvantagens, dependendo do fim ao qual a faca se destina. Facas mais afiadas devem possuir uma geometria mais fina, enquanto facas mais robustas devem possuir uma seção transversal mais resistente. Em geral são seis os tipos de formato ou Geometrias:




1- Scandinavian:   Scandinavian ou scandi é uma variação do Flat Ground deixando bastante massa na lâmina e, consequentemente, mais pesada.

2- Flat Ground:   Esta geometria cria um plano só, do dorso até o fio. Este plano confere ao gume a possíbilidade de um fio bastante acentuado. É bastante comum. Sua principal característica é a leveza e o equilíbrio.

3- High flat:   Variação do Flat Ground deixando um pouco mais massa na lâmina.

4- Hollow Ground:   São dois desbastes côncavos laterais. A lâmina fica com pouca massa próxima ao fio e deve ser usada para serviços delicados. Existe uma boa chance do gume ser extremamente afiado. Normalmente esta geometria é usada para navalhas.

5- Convex Ground:   Existe bastante massa proxima ao fio. Neste caso, a lâmina torna-se resistente a trabalhos mais pesados. Machados são um exemplo clássico para lâminas do tipo convexa.

6- Cinzel:   A geometria em forma de cinzel é caracterizada pelo vazado em apenas um lado da lâmina. Utilizada geralmente em ferramentas onde precisa-se manter o corte reto e empurar o material cortado para apenas um lado. As facas para corte de peixe, na culinária japonesa, são em forma de cinzel.


Fonte: imagem e lista internet




Os ângulos mais comuns e sua destinação estão indicados abaixo:

• 15 a 17 graus - Muito afiadas e delicadas. Requer cuidado. Bisturis e navalhas;
• 17 a 20 graus - Facas de cozinha profissionais para filetar carnes/peixes;
• 20 a 23 graus - Culinárias em geral, Canivetes, e Facas de caça;
• 23 a 25 graus - Facas de serviços pesados para caça e uso "outdoor".
• 25 a 30 graus - Facas de uso pesado para corte de papelão grosso, arame ou carpete, facões, cutelos, machados.
  



Mais Algumas Dicas:

- Quanto a afiação, procure adquirir peças de cutelaria já afiadas: É bem mais fácil manter o fio do que fazê-lo. Fique atento com quem afia com esmeril, que mal empregado, acaba com a faca;

- Nunca a deixe ficar cega demais antes de afiar. A verificação do ângulo de afiação é visual, e somente mantendo o ângulo correto é possível afiar adequadamente;

- Prefira o uso da chaira antes de recorrer à pedra, e da pedra, antes da lima (mas não use lima ou pedra muito abrasiva); Use a chaira nos dois lados da faca o mesmo número de vezes, respeitando o ângulo, atritando com leve pressão sempre no mesmo sentido. Use sempre as de material mais duro que o da faca, as mais lisas, e com 8 a 12 polegadas de comprimento;

- Em caso de peças muito requintadas, com afiação especial ou diferenciada, totalmente cegas, ou até com a lâmina danificada, pode ser bem mais prático e econômico confiar o serviço a um profissional;

- Existem diversos tipos de utensílios afiadores no comércio, nem todos eficientes ou seguros, antes de levar, peça demonstração.



Os Aços usados na Cutelaria
por Marcos Cabete



No século dezoito e antes dele já se sabia que o carbono era um elemento importante a ser adicionado ao ferro para formar os aços e sabia-se que a quantidade de carbono influenciava na dureza do aço e na retenção do fio, no entanto, não dominavam a dosagem do carbono a ser dissolvido no aço, então usavam o método de colocar o ferro líquido em um cadinho de grafite e mantê-lo aquecido por vários dias para que pudesse absorver o carbono das paredes do mesmo, dependiam da experiência de pessoas que visualmente avaliavam o ponto correto de retirar o aço do cadinho.

Era complicado pois depois que o aço esfriava o carbono não era homogêneo variando a cada batelada e com um gradiente de maiores e menores concentrações de carbono no volume do cadinho, o que exigia que o aço fosse trabalhado para ser homogeneizado.
Pelo final do século dezenove, na Inglaterra, um relojoeiro descontente com a variação de qualidade dos aços mola que obtinha dos fornecedores resolveu fazer experiências e conseguiu dosar o carbono a ser adicionado a uma porção de ferro fundido criando o primeiro cast steel da história. À partir disto os aços evoluíram tremendamente e a cidade de Sheffield na Inglaterra, onde ocorreu esta criação do cast steel e que já era um grande centro cuteleiro passou a ser o maior centro cuteleiro do mundo com grandes fábricas como a Josefh Rodgers que chegaram a ter mais de 2000 funcionários antes da entrada no século vinte.

Estes aços carbono dominaram por muito tempo, acrescentaram então outros metais em diferentes proporções e durante a primeira grande guerra ao fazerem experiências para melhorar o aço dos canos das armas os produtores de aço observaram que um aço com grande quantidade de cromo não se manchava com facilidade, perceberam que este aço poderia ser útil na cutelaria e o forneceram experimentalmente a duas fabricas surgindo o aço menos manchavel ou o hoje popular aço inoxidável inicialmente este aço ficou com a fama de ser ruim de corte e muito difícil de ser trabalhado. Problemas que estavam equacionados e solucionados por volta de 1920.




O carbono no aço e na cutelaria

Se tomarmos uma jarra de água pura e a ela acrescentarmos um corante em pequena quantidade, ou uma mistura de pós para suco, ela será modificada em sua totalidade e passará a ser algo diferente da água pura, com novas características. Desta mesma forma o ferro puro que não se presta a quase nada é modificado por pequenas quantidades de carbono dissolvido em sua estrutura, ganhando resistência mecânica importante nas construções civis e de equipamentos industriais e para a cutelaria ganhando dureza e manutenção do corte que são qualidades procuradas por todos que querem um instrumento de corte. Esta mistura de ferro com carbono passa a chamar-se aço e dependendo do percentual de carbono teremos características diferentes de dureza e outras propriedades. Para a cutelaria costumamos falar que os aços devem ter no mínimo 0,6% de carbono, abaixo disto existem aços que podem ser usados para ferramentas específicas como espadas que sofrerão grandes golpes e precisam de uma flexibilidade especial. Os aços em uso hoje no Brasil ficam entre 0,6% e 2,15% de carbono, acima disto existem alguns poucos aços produzidos à partir de pós e que chegam por volta de 2,5% de carbono.



Quanto mais carbono melhor?

Não é bem assim... muitos procuram sempre o aço mais, o aço plus, o hiper duro, acreditando que aços extremamente duros não perderão o corte nunca. Aços duros costumam também ser quebradiços. Quanto maior a dureza menor a flexibilidade é uma regra que o cuteleiro sempre procura contornar e encontrar meios técnicos de superar e existem inúmeros truques para conseguir melhorar esta relação obtendo aços de alta dureza no fio mas que tenham a flexibilidade adequada. Outro grande problema do aço extremamente duro é na hora de fazer a reafiação. O leigo não tem uma lixadeira de cinta em casa como os cuteleiros possuem e na maioria das vezes também não possui pedras de afiar cujo abrasivo seja o diamante como muitos profissionais e aficcionados possuem, então ocorre o grande drama, uma faca de aço duríssimo perde o corte e o seu proprietário fica na mão pois não consegue afiá-la na hora que mais precisa.
Há que se ter um equilíbrio entre dureza e flexibilidade e um limite de dureza que permita a reafiação com o uso de ferramentas “normais”, ou até mesmo improvisadas conforme o uso da faca ( sobrevivência, pescarias, acampamentos ... ).



Aço carbono ou aço inox?

Aqui entra muito o gosto particular da pessoa que irá usar a peça. As facas em aço carbono são mais tradicionais, podem assumir acabamentos rústicos ou mesmo contrastes interessantes entre o rústico e o polido espelhado e quando bem polidos estes aços formam uma bela pátina acinzentada durante o uso que acabam por denotar o zelo de seu proprietário pois se logo após o uso a faca é lavada e seca formará uma pátina brilhante e uniforme já se após o uso a faca for abandonada sobre a pia, suja de sal e limão para ser lavada no dia seguinte ela certamente terá pontos de ferrugem e a pátina que irá se formar será toda manchada, o que também é apreciado por alguns. O sabor do alimento cortado por uma faca de aço carbono pode ser diferente do sabor do mesmo alimento cortado por uma de aço inox, segundo os paladares mais requintados, assim para certas iguarias como os sashimis certas culturas recomendam o uso do aço carbono.

O aço inox é um aço menos manchavel e que exige menores cuidados no dia a dia, aceita ficar um tempo sem a limpeza desde que não seja exagerado e conserva seu brilho de cromo por mais tempo.
O inox pode ser a melhor escolha para tarefas que envolvam água salgada como facas de mergulho, não que o aço carbono não desempenhe esta função mesmo porque pode ser utilizado com coberturas protetoras como teflon ou epóxi mas o inox exigirá do usuário menor cuidado com a peça.

Certos países, como o Brasil, exigem legalmente que facas de uso em açougues e restaurantes sejam de inox e com cabos injetados para dificultar a entrada de partículas contaminantes entre a lâmina e o cabo, já outros países não fazem estas exigências podendo o profissional da alimentação usar facas de aço carbono com cabos de madeira e outros materiais já que existem métodos simples de se fazer a higienização de uma faca antes e após o uso.
No Brasil temos poucas opções comerciais de aços inoxidáveis levando alguns cuteleiros a importarem uma variedade maior destes aços para suas peças.



Faca forjada ou somente desbastada?

A forja é uma ferramenta onde pelo uso de calor e pressão o cuteleiro pode modelar o aço conforme sua necessidade e/ou vontade.
Não se consegue, ou fica muito caro e trabalhoso, produzir uma faca integral gaúcha usando apenas o método de desbaste no entanto usando-se a forja o cuteleiro aquece o aço e o modela em uma bigorna com suas marretas dando-lhe o formato desejado.
Em outras situações a faca a ser produzida tem ondulações, curvas, fazendo com que para a sua produção por desbaste o cuteleiro necessite de uma chapa larga de onde recortar a peça. Se esta chapa larga não está disponível o cuteleiro forjador pode lançar mão da forja e partir de uma chapa mais estreita, fazer as curvas necessárias. São casos típicos em que a forja é indispensável.
Facas à partir de pistas ou esferas de rolamento, muito comuns no Brasil só são possíveis por forjamento.
Para certos aços, em especial os aços carbono, o forjamento bem executado melhora as propriedades do mesmo para o corte promovendo um refinamento dos grãos.
E existem os aços de alta liga que pouco ou nada se beneficiam do forjamento e ainda situações em que o uso da forja pode ser um risco para as características técnicas originais do aço. Existem assim cuteleiros que só fazem facas forjadas, cuteleiros que só fazem facas desbastadas e cuteleiros que fazem facas forjadas e facas desbastadas tudo depende da linha de trabalho a que ele se dedica.



A alma do aço

A alma de uma faca é formada pelos seus tratamentos térmicos que podem incluir o recozimento e a normalização durante o trabalho do cuteleiro sendo o recozimento para amolecer o aço e a normalização para aliviar as tensões acumuladas e que podem traduzir-se em trincas ou deformações na hora do tratamento térmico principal.
O principal tratamento térmico é a têmpera, seguida do revenimento. A têmpera irá endurecer o aço, é um choque térmico controlado que pode sofrer inúmeras variações conforme o aço e a técnica dominada e escolhida pelo cuteleiro. Pode-se pré aquecer ou não o meio de têmpera que na maioria das vezes é constituído por um óleo fino, pode-se temperar a peça toda igualmente ou apenas parte dela ( têmpera seletiva ) o que permite deixar o fio muito duro mas o restante da lâmina flexível, pode-se usar meios de têmpera que irão resfriar a peça em diferentes e importantes velocidades como água, água com sais, óleos diversos, parafinas, etc..
Não cabe aqui discutirmos os detalhes metalúrgicos do que ocorre durante a têmpera, basta saber que ela é o principal tratamento térmico de uma faca e se o artesão não a dominar deve entregar a peça a empresas ou outros profissionais pois pode nesta fase destruir todo o trabalho realizado e se domina as técnicas necessárias poderá dar à peça uma bela alma e personalidade.
revenimento é um aquecimento a temperaturas mais baixas do que a têmpera e tem por objetivo eliminar as tensões causadas pela têmpera. Se a peça não for adequadamente revenida depois da têmpera poderá ficar quebradiça partindo-se com uma simples queda da faca ao solo. Usa-se fazer revenimentos simples duplos ou triplos conforme a necessidade do aço em uso. No revenimento pode-se também calibrar a dureza da lâmina deixando-a adequada para uma fácil reafiação.
O sub-zero é como uma continuidade da têmpera que então não para à temperatura ambiente, serve para promover uma maior transformação das estruturas moles em estruturas duras dentro do aço. Usa-se sub-zero à setenta graus negativos, feito com gelo seco e acetona, e sub-zero à cento e noventa e seis graus negativos, feito com nitrogênio líquido. Este tratamento deve ser subseqüente à tempera, ou seja, deve ser realizado em poucas horas após a têmpera. Não acredite em sub-zero feito semanas após a têmpera, ele irá apenas congelar e descongelar a lâmina sem promover qualquer modificação na estrutura do aço que já estará estável. O sub-zero é útil em particular para os aços de alta liga e os inoxidáveis.



Alguns aços usados na cutelaria

Existem inúmeras nomenclaturas para designar os aços pois além das nomenclaturas técnicas oficiais cada fabricante tem uma forma diferente de identificar suas diferentes ligas e a bagunça é grande, não queira entender tudo de uma vez, vá absorvendo as informações aos poucos, um aço de cada vez.

Os aços “simples”, ou seja, aqueles cujos componentes importantes são apenas ferro e carbono são designados por números que começam pelo algarismo um e cujos algarismos finais definem o percentual de carbono assim:

1020 - é um aço simples com 0,2 % carbono. Este aço não se presta à cutelaria mas é muito usado na construção mecânica de maquinas e nos dispositivos das oficinas como bancadas e gabaritos e mesmo para o cuteleiro fazer cabos e soldar nas peças que irá forjar quando não usa tenazes.

1045 - tem 0,45% de carbono. Já começa a “pegar tempera” se feita em água. Pode ser uma opção para algumas espadas e facões mas existem outros melhores.

1070 - com 0,7% de carbono já começa a ser usado na cutelaria, principalmente em sanduíches com outros aços para formar aços tipo damasco.

1095 - com 0,95% de carbono é o aço padrão das limas de boas marcas e dá boas facas para quem gosta de um aço tradicional à moda antiga. Muito bom para fazer facas de época, réplicas de facas antigas, por exemplo. Também muito usado em combinação com outros para fazer aço damasco. É um bom aço para o cuteleiro iniciante praticar o forjamento.


Quando o primeiro número muda ele indica elementos de liga no aço, assim os aços que começam com o digito cinco são os que tem um pequeno percentual de cromo em sua liga. Os números finais continuam indicando o percentual de carbono:

5160 - é um aço com 0,6% de carbono e pequeno percentual de cromo. Muito usado em molas automotivas é sem dúvida o principal aço do cuteleiro forjador iniciante e a preferência de muitos forjadores experientes. É um aço bom de se trabalhar e que apresenta resultados ótimos seja para uma espada seja para facas pequenas como skiners ou facas médias e grandes. Tudo dependerá da alma ( tempera e revenimento ) que receber.

52100 - é o aço com 1% de carbono e um pouco de cromo de que são feitos a maioria dos rolamentos. Encontrável em barras redondas e chatas e reciclado de pistas de grandes rolamentos ou esferas de grandes diâmetros tem se transformado em uma grande preferência dos cuteleiros brasileiros, principalmente para o forjamento. É um aço de excelente custo benefício e que apresenta afiação e retenção de fio excelentes.

O1 - ( diz-se ó um, e não zero um ) com 0,9% de carbono e que tem ainda Mn, Si, Cr e W em sua composição, produz excelentes facas de fácil reafiação e ótimo fio. Também encontrado sob a denominação de VND.

D-2 - já chega à 1,55% de carbono, tem 12% de cromo e ainda Vanádio e Molibdênio em sua composição é um aço mais complexo para o cuteleiro mas produz excelentes facas.

K-100 ou VC-130 - é um aço ferramenta com 2% de carbono, difícil de desbastar, exige uma técnica mais apurada em sua têmpera como o pré aquecimento do óleo e um bom revenimento mas produz facas excelentes quando bem trabalhado. Se mal trabalhado pode gerar facas muito quebradiças e de dificílima reafiação doméstica. Normalmente K-100 é a denominação do importado da Alemanha e VC-130 do similar nacional.

D-6 , VC-131, K-107 e Sverker 3 - também são aços similares apenas de procedências diferentes e com cerca de 2% de carbono.



Aços inoxidáveis

Os aços inox comercializados no Brasil são poucos concentrando-se basicamente em dois:
420 - que possui diferentes percentuais de carbono conforme a origem mas sempre por volta de 0,3 a 0,4% e 12% de cromo, é um aço marginalizado por muitos cuteleiros mas se bem trabalhado pode chegar a 54HC de dureza que é uma dureza suficiente para muitas facas de cozinha e outros usos menos severos. É bem resistente à oxidação e de baixo custo.

440-C - é seguramente o aço inox mais usado no Brasil, com seus 0,95% de carbono quando temperado adequadamente e passando por um tratamento sub-zero proporciona uma excelente durabilidade do fio bem como uma afiação muito boa. Dependendo da origem pode ter um polimento mais difícil para chegar no espelhado.

Sandvik 12 C 27, VG-10, ATS-34, BG-42, 154-CM, S30V - são alguns outros bons aços inox importados usados pelos cuteleiros brasileiros com certa freqüência e aplicados a suas peças.



Existem vários outros aços e os cuteleiros estão sempre experimentando e procurando aços que proporcionem bom fio, fio durável, flexibilidade da lâmina, fácil reafiação e outras qualidades que alidadas à beleza possam ser usados em suas criações.



Outros materiais

Não é usual mas também encontramos laminas em talonite, cerâmicas de alumina ou zircônia, titânio e outros materiais. Aços Damasco são aços compostos por caldeamento de outros diferentes aços. O cuteleiro pode fazer obras de arte fantásticas com esta técnica e produzir aços que aliem beleza, flexibilidade e poder de corte excepcionais. Pela complexidade destes aços deixaremos para explicá-los em capitulo à parte.



Conclusão

Pode-se ter uma boa faca feita por aços carbono ou por aços inoxidáveis mas não basta o aço correto, a habilidade e o conhecimento técnico do cuteleiro são imprescindíveis para colocar uma boa "alma" na lâmina. Uma faca sem alma será apenas um pedaço de aço com um desempenho sofrível já uma faca com uma bela alma, proporcionada por uma boa técnica de forjamento ou de desbaste com os tratamentos térmicos adequados será um objeto de arte utilitário que trará enorme satisfação a seu usuário.
Esperamos tê-lo auxiliado fornecendo informações básicas úteis para que tome uma boa decisão e compre a ferramenta adequada a sua necessidade no entanto se ainda tiver dúvidas entre em contato.

Fonte: por Marcos Cabete,  no site da Sociedade Brasileira de Cutelaria

27 comentários:

  1. Parabéns, uma das melhores explanações que eu já vi. Muito bom.

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    1. Olá, que bom que gostou! Mas escrevi pouca coisa, o mérito maior são dos autores identificados, que reuni e adaptei aqui. Abraços.

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    2. Aprendi bastante.Muito esclarecedor.
      Obrigado

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    3. Que bom, fico feliz! Abraço forte

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  2. Gostaria de saber a técnica aplicada para acabamento rústico na metade superior da lamina que fazem geralmente nas facas gaucha.

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    1. Olá! Acabamentos rústicos geralmente são aqueles deixados depois do forjamento, e não removidos pelo lixamento (de forma proposital). Existem também aqueles deliberadamente feitos, por vários métodos que variam conforme o resultado desejado, a preferência, e a criatividade do cuteleiro. Por exemplo, certos tipos de martelamento na lâmina aquecida, ácidos, desbastes e lixamentos, etc... depende muito... tem que ver a peça e analisar para responder com certeza. Espero que tenha esclarecido. Abraços.

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  3. Achei esse blog em geral incrivel, mas essa postagem está me ajudando bastante, estou fazendo uma faca e a parte em que você fala sobre a geometria da lamina melhorou minha forma de desbastar o aço.

    um abraço

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    1. Olá! fico feliz que tenha gostado, e que as postagens estejam auxiliando. Sucesso na lida! Forte abraço.

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  4. Gostei demais da leitura, muito acrescentou a minha busca. Conheço pessoalmente o Sr Cabete e foi um pepraz le lo em grande parte do texto.
    Obrigado pelo POST.

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  5. Muito boa a matéria.
    Gostaria de saber onde encontrar o inox 440, o aço D2 e o D3?

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    1. Olá, que bom que gostou! Esse aços são mais difíceis de encontrar aqui no Brasil, como não trabalho com eles, não tenho no momento ninguém para indicar, mas sei que existem alguns fornecedores. Tente ver no Mercado Livre, no Facebook, ou, mais confiável ainda, no FCA (o Fórum que indico neste site, pois lá tem uma seção de fornecedores recomendada pelos amigos cuteleiros. Abraços

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  6. Ótimo material para neófitos como eu. Parabéns. Tenho várias facas de uso pessoal em
    Culinária e tenho muito zelo por elas. Poderia sugerir alguma literatura, ou técnica, ou curso que não seja presencial, já que moro no interior, de afiação de facas? (Minhas tentativas têm deixado a desejar). Obrigado e um grande abraço. João José

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    1. Olá, que bom que gostou! Pela internet tem muito material que pode te ajudar na afiação. No YouTube tem o canal do cuteleiro Berardo que é ótimo, tem o do do Felipe Sampaio que é mais voltado a facas orientais... tem também o Fórum FCA que indico neste site, onde tem muitas matérias e dicas sobra afiação! Mas posso te adiantar que não tem segredo, é a sequência certa de pedras ou lixa fina e repetição no mesmo ângulo... Aí é praticar até cansar! rsrsrsr Abração

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  7. Comentário de "Anônimo" em 03/10/2012, que posto aqui por problemas técnicos do blog:

    Head Knife é faca principal. (ex: to head é se direcionar, como é com a cabeça que nos guiamos, a palavra head tem sentido de principal (em Dicas - Desenhos de Lâminas mais usados)

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    1. Valeu pela dica! Então este nome se deve, possivelmente, por esta faca ser a principal na cultura Inuit, devido a importância ligada a seu uso... abraços

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  8. Olá! Agradeço seu interesse, até tenho, mas é livro infantil, não é sobre cutelaria rssrrs Abração

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  9. Bom dia, gostaria de saber quando foi publicado esse material. Quero referenciar!

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  10. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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